02 junho 2023

A PRAÇA DA REPÚBLICA


Texto de Antonio Carlos Popinhaki


Escrever sobre a história de Curitibanos e deixar de mencionar a Praça da República seria um tremendo erro. É fato aceitável pelos pesquisadores da história local, que Curitibanos, como povoado, com casas aglomeradas, foi construído a partir do início do século XIX, entre 1800 e 1810. A primeira informação que temos de um povoado chamado Curitibanos é um documento relacionado a esse aglomerado de pessoas e famílias datado de 1829, contendo a assinatura do Capitão José Ferreira Bueno. Esse Capitão fez um ofício para o Presidente da Câmara Municipal de Lages, solicitando um padre para catequizar vinte e nove bugres (indígenas): dez homens, dez mulheres, cinco crianças de peito e quatro rapazes no novo povoado dos Coritybanos. Entre esses bugres, havia uma mulher que falava português e manifestou o desejo de poder viver entre os habitantes do novo povoado.

Também é consenso que o povoado foi construído no alto de uma coxilha. Ou seja, onde estão atualmente localizadas a Igreja Matriz Imaculada Conceição e o prédio do Museu Histórico Antonio Granemann de Souza. Em frente a essas construções, desde o início, houve um espaço para lazer, com alterações do relevo e da vegetação ao longo dos anos.

 Em 9 de janeiro de 1892, atendendo uma solicitação da Segunda Junta Governativa de Santa Catarina, se posicionaram sobre o terreno da Praça da República, 2 batalhões de Infantaria, com 300 homens, e 1 batalhão de cavalaria, com 200, totalizando um efetivo militar de 500 homens. O objetivo da presença desses militares em solo curitibanense era fornecer à população, a notícia de que o Brasil e o Estado de Santa Catarina estavam sob novo comando de governabilidade. Nesse dia, dois homens conclamaram à população curitibanense, que também estava reunida na Praça da República, a aderirem às causas republicanas. Esses homens, eram o Juiz Bráulio Rômulo Colônia e Marcos Gonçalves de Farias, que tornou-se uma das mais importantes figuras políticas do local.

Sebastião Calomeno, curitibanense, nascido em 1905, escreveu em suas reminiscências ou memórias do seu passado, que a Praça da República era um vasto terreno vago, pontilhado de pedrinhas de manganês, próprias para a indústria do vidro, que, tinha essas características na época da sua infância.

Esse espaço para lazer, inicialmente, continha vegetação nativa, com poucas árvores, predominando o campo com o terreno acidentado, bem diferente daquele que existe atualmente.

Também é importante citar aqui, que um dos ramais do Caminho das Tropas que vinha do Rio Grande do Sul, especificamente, da travessia do Passo do Pontão, sobre o Rio Uruguai, passava ao lado dessa Praça. O acesso de entrada e saída do povoado de Curitibanos pelo lado oeste seguia no sentido que hoje está a avenina Frei Rogério. Descia pelo barranco do bairro São Francisco, e provavelmente, utilizava o percurso que hoje é o aeroporto. Depois, descia ao lado de um potreiro, que serviu de apoio aos tropeiros, que foi conservado ao longo das décadas, e que ainda existe, ao lado da atual rodovia que liga Curitibanos à cidade de Frei Rogério.

Provavelmente, as pessoas que vinham do oeste, utilizavam a Praça da República para algum repouso, quando tinham que resolver algum assunto na sede da Superintendência (Prefeitura), ou na Igreja, ou outro lugar, uma vez que a cidade foi construída ao redor dessa Praça. Seguramente, foi utilizando esse caminho que 212 homens, em 26 de setembro de 1914, sob o comando de Agustin Perez Saraiva, invadiram e incendiaram mais de duas dezenas de casas e imóveis na vila. A maioria estava localizada ao redor. A Praça da República serviu como um lugar estratégico para o grupo de homens combinarem suas ações.

Hélio Campos, que foi vereador em Curitibanos, em seu texto “Curitibanos de Outrora”, escreveu na década de 1960, que tinha saudades do gramadão em frente da igreja matriz, palco de tantas “peladas” memoráveis. 

As evidências apontam para um lugar que sofreu várias transformações. A vegetação nativa deu lugar a um gramado, depois, foram plantadas novas árvores, mas não antes do terreno ser aplainado e nivelado. Isso ocorreu em 1929. No Edital da Prefeitura Municipal, de 12 de novembro de 1929, encontramos o seguinte texto:


De ordem do Sr. Cel. Prefeito Municipal de Curitibanos, faço público a (todos) a quem interessar possa, que se acha em concorrência pública o serviço de aplainamento da praça da República nesta villa. Serviços esses, constantes do corte das terras entre o Palácio da Prefeitura Municipal e Terras aforadas do Sr. João Popinhak, entre o dito Palácio e a Rua Conselheiro Mafra, e entre a Igreja e a aludida Prefeitura. Assim, como o corte da lomba de terras que começa em frente à casa do Sr. Altino Farias, até quase às terras aforadas do Sr. Faustino Costa, na Praça da República, tudo com o fim do aplainamento da mesma praça. Os contratantes deverão dar fiador. O prazo do presente Edital é de 15 dias e as propostas deverão, portanto, serem apresentadas no dia vinte e sete do corrente mês, às onze horas da manhã, nesta Prefeitura. Secretaria da Prefeitura Municipal de Curitibanos, em 12 de novembro de 1929. Walter Tenório Cavalcanti, Secretário Municipal.


A Praça da República foi palco de célebres discursos políticos, de apresentações de bandas tradicionais e de aglomerações em dias santos, onde a antiga matriz da Igreja Católica Imaculada Conceição se tornava pequena para acomodar os fiéis em dias de missas. A grande maioria dos curitibanenses ficava ao ar livre, sobre o gramado da Praça, acompanhando o ritual.

Ao redor da Praça da República, foi construída, no dia sete de setembro de 1924, a sede de um importante Clube. A “Sociedade Sete de Setembro”, nome originalmente dado pelos fundadores. Nasceu da reunião de pessoas ilustres de Curitibanos, que aqui viviam com seus negócios e que tinham o local como residência fixa. Estavam à frente desses, os senhores Ceslau Silveira de Souza, Altino Gonçalves de Farias e o Professor Lauro Mascarenhas. Havia outros também, mas esses, não deixaram registrados os seus nomes para a posteridade. A sede era provisória, na propriedade do senhor Francisco José Duarte, conhecido na época, pela alcunha de Chiquinho Costa. O local dessa sede ficava onde hoje está localizada as edificações do Hotel Gaboardi. Com o passar dos anos, a agremiação se consolidou, então foi construído um edifício de madeira para ser a sede própria do Clube, do outro lado da Praça, onde funcionou por cerca de 80 anos.

Por citar o nome de um dos fundadores, o do senhor Altino Gonçalves de Farias, não posso deixar de escrever sobre o falecimento da sua esposa, ocorrido num trágico evento. A história do falecimento de Clara de Paula Carneiro de Farias deu-se dessa maneira:


Na noite do dia 19 de maio de 1929, ocorreu um baile no Clube Sete de Setembro, em Curitibanos. Era uma noite fria, prenunciando que o inverno seria rigoroso. Havia no interior do salão de festas, muitas famílias de curitibanenses, entre as presentes, estava Altino Gonçalves de Farias, sua esposa Clara e o filho menor, de nome Altino Farias Filho, de 15 anos. O superintendente municipal era o Tenente-Coronel da Guarda Nacional, Henrique Paes de Almeida (Júnior). Num ato de insanidade, mobilizou a polícia local para acabar com o baile. Os policiais se posicionaram, na escuridão daquela noite, na Praça da República e apontaram seus fuzis para a porta do salão do Clube Sete de Setembro. Num determinado momento, Altino Farias Filho saiu para respirar ar fresco, visto que no salão estava quente devido ao calor provocado pelos casais dançarinos. Ele estava com um “pala”, uma peça de roupa utilizada em dias e noites de frio pelas pessoas do Sul do Brasil. Atrás dele veio a sua mãe, Clara. Altino Filho, na calçada, ao lado da rua, fez menção de que iria tirar o “pala”, levantando-o, foi neste exato momento que um dos policiais, que estava oculto na Praça da República, disparou contra o rapazola, atingindo-o de raspão na cabeça. Clara, ao ver o filho atingido, correu para auxiliá-lo, também sendo atingida por outro disparo vindo do mesmo lugar escuro da praça. Ao som de tiros, o baile parou, Altino Gonçalves de Farias, vendo o filho e a esposa caídos na calçada, atirou a esmo para a praça, não acertando em ninguém. Entretanto, há um registro encontrado no Jornal Conciliador, edição n.º 12 daquele ano, relatando que outro homem também morreu naquele tiroteio, não revelando na matéria, o seu nome. Clara faleceu no amanhecer seguinte e Altino Filho recuperou-se do ferimento a bala, falecendo, tempos depois, em Lages de outras enfermidades. 


O motivo do Superintendente não permitir a continuidade do baile é que o comandante da polícia naquela época era um homem moreno. Havia uma regra que pessoas de cor não podiam participar de eventos no Clube 7 de Setembro, por essa razão, o comandante militar utilizou os policiais, sob o aval do mandatário da cidade. Mais tarde, em 6 de janeiro de 1931, foi fundado outro Clube em Curitibanos, o “Clube Seis de Janeiro”, que aceitava pessoas brancas e negras em seu estabelecimento. Vemos aqui, que Curitibanos também teve seu tempo de racismo e de preconceito.

Ao longo dos anos, a Praça da República passou por reformas. Monumentos foram construídos e destruídos. Árvores e bancos foram trocados, bem como, as luminárias. Na década dos anos de 1950, encontramos o registro que o senhor Heraclides Vieira Borges, que foi prefeito em Curitibanos, membro atuante do Rotary Club local, como um grande patriota, que gostava de comemorar, por meio de solenidades, as datas históricas e especiais, deixou a sua marca naquela Praça. Agia em defesa do meio ambiente e dos reflorestamentos, que eram, na época, apenas projetos engavetados. Numa homenagem especial prestada pelo Rotary Club de Curitibanos, no Dia da Árvore, Heraclides plantou, uma muda da espécie “Ipê Amarelo” (Handroanthus serratifolius), que ele mesmo conseguiu nas matas próximas ao Rio Marombas, trazendo do local, com a ajuda do seu amigo, Djalma Ferreira (Dejaime). A muda cresceu e hoje é uma das belas árvores, que estão plantadas na Praça da República.

Havia também um monumento em forma de arco, que foi demolido e substituído por uma estátua de mulher. Isso foi realizado na segunda gestão do prefeito Generino Fontana, entre os anos de 2001 a 2004. Atualmente, o prefeito Kleberson Luciano Lima acenou positivamente para uma nova reforma e reestruturação do local. 



Referências para o Texto:


ALMEIDA, Coracy Pires de. Nossa Terra, Nossa Gente. Gráfica Comercial. Curitibanos/SC. Dezembro de 1968. p. 36 e 37. 


ALVES, Sebastião Luiz. Sebastião Calomeno. Blog Curitibanenses. On-line, disponível em: http://curitibanenses.blogspot.com/2015/07/sebastiao-calomeno.html


CALOMENO, Sebastião. Informações. Acervo do Museu Histórico Antonio Granemann de Souza.


CAMPOS, Hélio Ivo Ribeiro de. Curitibanos de Outrora. Nossa Terra, Nossa Gente. Gráfica Comercial. Curitibanos/SC. Dezembro de 1968. p. 36 e 37.


Com informações de Aldair Goetten de Moraes.


Com informações de Ozires Farias Lemos.


Curitibanos — Livro de Editais n.º 150. Páginas 30 e 31.


Fotografia de Victor Andrade, disponibilizada em redes sociais.


Histórico da Câmara de Vereadores de Curitibanos.


Lista de Prefeitos de Curitibanos. Portal Wikipédia. On line: Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Lista_de_prefeitos_de_Curitibanos


POPINHAKI, Antonio Carlos Popinhaki. Heraclides Vieira Borges. Blog Curitibanenses. On-line, disponível em: http://curitibanenses.blogspot.com/2013/07/heraclides-vieira-borges.html


POPINHAKI, Antonio Carlos.  Marcos Gonçalves de Farias — Tio Taco. Blog Curitibanenses. On-line, disponível em: http://curitibanenses.blogspot.com/2022/05/texto-de-antonio-carlos-popinhaki.html


POPINHAKI, Antonio Carlos. Revolução Farroupilha — A Batalha de Coritybanos. Herval d’Oeste/SC. Polimpressos, 2022.


POPINHAKI, Antonio Carlos. Reminiscências. Blog pessoal de Antonio Carlos Popinhaki. On-line, disponível em: http://antoniocarlospopinhaki.blogspot.com/2021/01/reminiscencias.html

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