Texto de Antonio Carlos Popinhaki ¹
A colonização japonesa no Núcleo Celso Ramos, originalmente parte do município de Curitibanos em Santa Catarina e hoje localizado em Frei Rogério, é um capítulo marcante na história da imigração japonesa no Brasil. Iniciada na década de 1960, essa trajetória é repleta de desafios, adaptações e conquistas que transformaram a região em um polo agrícola e cultural. A chegada dos imigrantes japoneses ao Núcleo Celso Ramos não apenas revitalizou a economia local, mas também enriqueceu a cultura da região, deixando um legado que perdura até os dias atuais.
A imigração japonesa para Santa Catarina ocorreu principalmente no contexto pós-Segunda Guerra Mundial, quando muitos japoneses buscavam recomeçar suas vidas longe das crises econômicas e dos horrores da guerra. O Núcleo Celso Ramos foi fundado em 28 de janeiro de 1963, com a assinatura do documento pelo então governador Celso Ramos, e as primeiras famílias japonesas chegaram em abril de 1964, totalizando oito famílias e mais de 50 pessoas. Entre os pioneiros, destacam-se os sobrenomes Ogawa, Sugiyama, Kuwahara, Katsurayama, Kubota e Eguchi. Liderados por Kazumi Ogawa, um sobrevivente da bomba atômica de Nagasaki, esses imigrantes enfrentaram inúmeras dificuldades, desde a adaptação ao clima e ao solo até a barreira linguística. No entanto, com perseverança, introduziram técnicas avançadas de cultivo, especialmente na fruticultura e horticultura, que logo se tornaram a base econômica da colônia.
O Núcleo Celso Ramos foi formado pelas áreas não loteadas do Núcleo Tritícola de Curitibanos e terras compradas pelo Governo do Estado de terceiros. Os contatos iniciais para a vinda da colônia japonesa foram feitos com o Dr. Francisco Hoeltgebaum e o vice-cônsul do Japão em Porto Alegre, Dr. Teruo Yamakawa, seguidos por várias missões vindas diretamente de Tóquio. A implantação do núcleo foi conduzida pelo Instituto de Reforma Agrária de Santa Catarina (IRASC), sob a liderança dos presidentes Dr. Rui Ramos Soares, Dr. José Felipe Boabaid e Dr. Hélio Mário Guerreiro.
Tendo a agricultura como alicerce do desenvolvimento, o Núcleo Celso Ramos destacou-se pela produção de alho, maçã, pêssego, pêra japonesa (Nashi) e hortaliças, como tomate e folhosas. Um dos marcos dessa trajetória foi o desenvolvimento do “Alho Chonan”, criado por Takashi Chonan, um imigrante que, após anos de pesquisa, desenvolveu uma variedade de alta qualidade, semelhante aos alhos importados. Essa inovação não apenas elevou a produção local, mas também gerou empregos e consolidou Curitibanos como a “capital nacional do alho”. Em 1975, a variedade foi reconhecida e batizada como “Chonan”, sendo o primeiro alho nacional. Takashi Chonan recebeu o Prêmio Kiyoshi Yamamoto em 1995 por suas contribuições à agricultura e, em 1996, tornou-se o primeiro prefeito do recém-criado município de Frei Rogério.
Além do alho, a introdução da nectarina e do kiwi por Kaoru Antonio Haramoto na década de 1980 demonstrou a capacidade de adaptação e inovação dos japoneses. Cultivados inicialmente em caráter experimental, esses frutos tornaram-se fontes de renda importantes, com qualidade de exportação. A primeira plantação de nectarina foi realizada em 1967 sob a orientação de Fumio Honda, um dos pioneiros do núcleo. Essas conquistas agrícolas foram acompanhadas pela criação de cooperativas e associações, como a Cooperativa Agrícola da Colônia Celso Ramos, fundada em 1964 com Kazumi Ogawa como primeiro presidente, e a Associação Cultural Brasil-Japão, que fortaleceu os laços comunitários e promoveu a difusão de técnicas agrícolas.
A infraestrutura do Núcleo Celso Ramos foi sendo gradualmente melhorada graças aos esforços da comunidade e ao apoio do governo. Em 2008, após sete anos de negociações, foi inaugurado o asfalto na estrada que liga Curitibanos ao Núcleo Celso Ramos, facilitando o transporte e modernizando a região. Essa obra foi parte das comemorações do Centenário da Imigração Japonesa no Brasil e simbolizou a vitória da persistência da comunidade.
Um dos marcos arquitetônicos e culturais do núcleo é a Casa Octogonal, inaugurada em 26 de julho de 2008 e batizada de Yumedono, que significa “casa dos sonhos”. O edifício, com seus oito lados, representa a realização contínua de sonhos, e no topo foi colocada um porongo (cabaça), símbolo da realização de sonhos impossíveis na cultura japonesa. A Casa Octogonal tornou-se um símbolo da Colônia Japonesa do Núcleo Celso Ramos e abriga atividades culturais e eventos comunitários.
A colônia japonesa manteve viva sua cultura através de festivais, práticas religiosas e atividades educativas. O “Sakura Matsuri” (Festa da Florada da Cerejeira), realizado desde 1997 no Parque Sakura, é um dos eventos mais emblemáticos. O parque, inaugurado em 1989, foi possível graças a uma doação de 10.000.000 de ienes do “Japan World Exposition Comemorative Fund” e abriga 3.000 mudas de cerejeira, 1.500 pés de ipê e 10.000 plantas ornamentais. O festival celebra a floração das cerejeiras, símbolo da cultura japonesa, com apresentações de “taikô” (tambores), “kendô” (arte marcial), cerimônia do chá (“chadô”) e danças tradicionais como o “Bon Odori”. O evento atrai turistas de todo o país e serve como um espaço de reafirmação identitária.
Outro local de grande significado é o Parque Sino da Paz, inaugurado em 15 de outubro de 2002. O parque homenageia as vítimas das bombas atômicas de Hiroshima e Nagasaki e foi construído no terreno de Kazumi Ogawa, um sobrevivente de Nagasaki. O monumento principal, com 28 metros de altura, é inspirado no tsuru (pássaro que simboliza a paz) e abriga um sino de bronze de mais de 400 anos, doado pelo governo japonês. Existem apenas três sinos como este no mundo: um na sede da Organização das Nações Unidas — ONU, outro em Nagasaki e o terceiro em Frei Rogério. Todos os anos, nos dias 6 e 9 de agosto, é realizada uma cerimônia emocionante para lembrar as vítimas e promover a paz mundial. Na inauguração, foi assinada a “Declaração da Paz”, enviada à UNESCO.
A comunidade também preserva tradições como o “kendô”, o “chadô” (cerimônia do chá) e o “ikebana” (arranjo floral), praticados por descendentes e ensinados às novas gerações. A Senhora Junko Yamamoto, por exemplo, é uma das responsáveis por conduzir a cerimônia do chá na colônia, mantendo viva essa arte milenar.
A trajetória da colônia não foi isenta de obstáculos. Além das crises econômicas, eventos como o incêndio que destruiu o Museu da Paz em 2016 e a pandemia de Covid-19, que suspendeu os festivais, testaram a resiliência da comunidade. Outro desafio foi o movimento “dekassegui”, que levou muitos jovens a migrarem para o Japão em busca de oportunidades durante as décadas de 1980 e 1990, causando preocupações com o esvaziamento do núcleo. No entanto, muitos desses descendentes retornaram com novas experiências e ideias, enriquecendo as práticas culturais locais. A inclusão do “taikô” no “Sakura Matsuri”, por exemplo, foi uma inovação trazida por esses retornados.
Hoje, o Núcleo Celso Ramos é um exemplo de integração entre tradição e modernidade. Sua história é marcada pelo espírito empreendedor dos imigrantes, que transformaram terras improdutivas em referência agrícola, e pela vitalidade cultural, que mantém viva a herança japonesa nas novas gerações. Para o Museu Histórico Antonio Granemann de Souza de Curitibanos, essa narrativa é essencial, pois ilustra não apenas a contribuição japonesa para o desenvolvimento regional, mas também o diálogo entre culturas que define a identidade plural de Santa Catarina.
Em síntese, a colonização japonesa no Núcleo Celso Ramos é uma história de superação, inovação e preservação cultural. Seu legado permanece não apenas nas lavouras de alho e kiwi ou nos festivais de cerejeira, mas no cotidiano de uma comunidade que, mesmo distante do Japão, soube criar raízes profundas e frutíferas em solo brasileiro. A Casa Octogonal, o Parque Sakura e o Sino da Paz são símbolos dessa jornada, lembrando que, como diz o ditado japonês representado pelo porongo, até mesmo o impossível pode ser realizado com perseverança e sonhos compartilhados.
Referências para o texto:
Colônia Japonesa do Núcleo Celso Ramos. Portal Municipal do município de Frei Rogério. FECAM, 20 de janeiro de 2010. On-line, disponível em: https://turismo.freirogerio.sc.gov.br/post-5792/
COLONIZAÇÃO JAPONESA. Curso de Administração. Manual para utilização na disciplina de Metodologia Científica II. Fundação do Planalto Central Catarinense — FEPLAC, 1990. Curitibanos. 45 p.
Ministro dos Transportes chega fim da semana para inaugurar importantes obras em Santa Catarina. Jornal A Nação Mensageiro do Vale. Ano XXIV, Blumenau SC, quarta-feira, 3 de abril de 1968. Edição n.º 414, p. 1.
UEMURA, Karoline Kika. Entre a eminência do esquecimento e o retorno: (re)significando memórias e identidades no Núcleo Celso Ramos (1990 - 2010). Anais do I Seminário Internacional História do Tempo Presente. UDESC. 2011. 16 p.
UEMURA, Karoline Kika. Construindo representações e fronteiras: a presença de imigrantes japoneses em Santa Catarina (1960-1970). Revista Santa Catarina em História - Florianópolis - UFSC – Brasil ISSN 1984 - 3968, v.6, n.1, 2012.
UEMURA, Karoline Kika. Entre a Floração das Cerejeiras e o Cair das Flores: memórias, invenções e fluxos migratórios entre Núcleo Celso Ramos e Japão (1990-2010). Anais do XXVI Simpósio Nacional de História – ANPUH — São Paulo, julho 2011.
¹ Antonio Carlos Popinhaki é Bacharel em Economia Agroindustrial pela Universidade do Contestado. Graduado em Licenciatura em História pelo Centro Universitário UniFaveni. Pós-graduado em Auditoria e Perícia Contábil pela Universidade Católica Dom Bosco. — Professor, escritor, historiador e pesquisador de história.
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