Texto de Antonio Carlos Popinhaki
Na Guerra do Contestado (1912-1916), os patuás emergiram como símbolos materiais da religiosidade popular, misturando fé, misticismo e resistência. Eram pequenos objetos, geralmente saquinhos de tecido, couro ou pano, carregados ao pescoço pelos caboclos, contendo elementos sagrados: ervas bentas, pedras, orações manuscritas, fragmentos de panos benzidos ou até imagens de santos. Mais do que amuletos, esses artefatos encapsulavam a esperança de proteção contra balas, doenças e a violência da guerra, além de representarem um elo tangível com o mundo espiritual que guiava os revoltosos.
Os patuás refletiam um sincretismo entre tradições católicas, indígenas e africanas, comum no sertão brasileiro. As orações guardadas neles, muitas vezes redigidas por beatas ou líderes espirituais, misturavam invocações a santos católicos (como São Sebastião, padroeiro dos “Pares de França”) com encantamentos de origem africana e conhecimentos herbais indígenas. Essa fusão desafiava a ortodoxia da Igreja, que via nas práticas um “fanatismo” perigoso.
Acreditava-se que os patuás “fechavam o corpo” contra armas inimigas, uma ideia que ecoava as bolsas de mandinga da cultura afro-brasileira. Relatos da época descrevem combatentes como “Manoel Lourenço de Andrade”, que portava um patuá com a “oração contra o ar” e um cadarço com a medida de São José Maria, convencido de que isso o tornava invulnerável. As histórias de personagens femininas como “Maria Rosa” e “Chica Pelega” ganharam notoriedade por confeccionar e benzer os objetos, reforçando seu papel na comunidade.
Os patuás também eram instrumentos políticos. Inscrições como “Monarquia Celeste” ou profecias sobre “três dias de escuridão” vinculavam a luta material a um projeto espiritual de redenção. Para os caboclos, a “Monarquia” não era um regime terrestre, mas a “lei de Deus” oposta à “República do Diabo”. O próprio “José Maria”, líder espiritual do movimento, era evocado nos patuás como um santo protetor, cuja imagem ou oração garantia coragem.
A persistência dos patuás revela uma religiosidade autônoma, que resistiu à repressão militar e eclesiástica. Mesmo após o massacre, sobreviveram como parte da cultura cabocla, testemunhas de um conflito onde a fé e a magia eram tão cruciais quanto os rifles. Hoje, são lembranças materiais de como os sertanejos transformaram objetos cotidianos em escudos simbólicos contra a opressão.
“O rapaz pegou em seu patuá preso ao pescoço e pediu ajuda a João e a José Maria. Fechou os olhos por alguns segundos e, como por encanto, retornou ao velho galpão onde conhecera o monge”.
“Leve esta reza com vancê e coloque num patuá prá acarmá tua alma. Faça tamém um chá com essa erva. Ela é boa pros nervo. E o mais importante, meu fio, tenha fé em Deus e fique do lado dos pobre!”
Os patuás do Contestado, portanto, não eram meros adornos, mas “armas de esperança”, costuradas com linhas de devoção e carregadas no peito como um último ato de rebeldia.
Referências para o texto:
CAMPOS, Ricardo de. Caboclos Rebeldes: uma aventura pela guerra do Contestado. Canoinhas/SC: Edição do autor. 2016.
MACHADO, Paulo Pinheiro. Lideranças do Contestado: a formação e a atuação das chefias caboclas (1912 – 1916) / Paulo Pinheiro Machado. – Campinas, SP: Editora da Unicamp, 2004.
O Lugar do Contestado na História do Brasil/ Márcia Janete Espig, Alexandre Assis Tomporoski, Delmir José Valentini, Paulo Pinheiro Machado, Rogério Rosa Rodrigues (organizadores) Vitória: Editora Milfontes, 2022. 586 p.
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